01
jul2022

DA OBRIGATORIEDADE DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE (OU SEGURO SAÚDE), MANTER TRATAMENTO MÉDICO PENDENTE EM CASO DE DOENÇA GRAVE MESMO APÓS O EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO À RESCISÃO UNILATERAL DE PLANO COLETIVO

A questão jurídica a ser dirimida cinge-se a definir a possibilidade ou não de cancelamento unilateral – por iniciativa da operadora – de contrato de plano de saúde (ou seguro saúde) coletivo enquanto pendente tratamento médico de usuário acometido de doença grave.

Os incisos II e III do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 são taxativos em proibir a suspensão de cobertura ou a rescisão unilateral imotivada – por iniciativa da operadora – do plano privado de assistência à saúde individual ou familiar.

De acordo com a dicção legal, apenas quando constatada fraude ou inadimplência, tal avença poderá ser rescindida ou suspensa, mas, para tanto, revelar-se-á necessário que o usuário – titular ou dependente – não se encontre internado (ou submetido a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física).

Por sua vez, o seguro ou plano de saúde coletivo – com quantidade igual ou superior a 30 beneficiários – pode ser objeto de suspensão de cobertura ou de rescisão imotivadas (ou seja, independentemente da constatação de fraude ou do inadimplemento da contraprestação avençada), desde que observados os requisitos enumerados no artigo 17 da Resolução Normativa DC/ANS n. 195/2009:

  • existência de cláusula contratual prevendo tal faculdade para ambas as partes;
  • decurso do prazo de doze meses da vigência do pacto; e
  • notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias.

Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 restringe-se aos seguros e planos de saúde individuais ou familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário – ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física -, também alcança os pactos coletivos.

Com efeito, em havendo usuário internado ou em pleno tratamento de saúde, a operadora, mesmo após exercido o direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea “b”, e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021.

A aludida interpretação também encontra amparo na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda quando haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do usuário que se encontre em situação de extrema vulnerabilidade.

Nessa perspectiva, no caso de usuário internado ou submetido a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, o óbice à suspensão de cobertura ou à rescisão unilateral do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação – coletivo ou individual -, devendo a operadora aguardar a efetiva alta médica para se desincumbir da obrigação de custear os cuidados assistenciais pertinentes.

Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deverá ser permitido aos usuários a migração para planos individuais ou familiares, observada a compatibilidade da cobertura assistencial e a portabilidade de carências, desde que a operadora comercialize tal modalidade de contrato e o consumidor opte por se submeter às regras e aos encargos peculiares da avença.

Por sua vez, o inciso IV do artigo 8º da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018 preceitua que, em caso de rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica estipulante, a portabilidade de carências “deverá ser requerida no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da ciência pelo beneficiário da extinção do seu vínculo com a operadora”, não se aplicando os requisitos de “existência de vínculo ativo com o plano de origem”, de “observância do prazo de permanência” (período ininterrupto em que o beneficiário deve permanecer vinculado ao plano de origem para se tornar elegível ao exercício da portabilidade de carências) nem de “compatibilidade por faixa de preço”, previstos no artigo 3º do ato normativo.

Em tal hipótese, caberá à operadora – que rescindiu unilateralmente o plano coletivo e que não comercializa plano individual – comunicar, diretamente, aos usuários sobre o direito ao exercício da portabilidade, “indicando o valor da mensalidade do plano de origem, discriminado por beneficiário”, assim como o início e o fim da contagem do prazo de 60 dias (artigo 8º, § 1º, da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018).

A outra situação apta a exonerar a operadora de continuar a custear os cuidados assistenciais prestados ao usuário submetido a internação ou a tratamento de saúde – iniciados antes do cancelamento do pacto coletivo -, consiste na existência de contratação de novo plano pelo empregador com outra operadora. Deveras, em havendo a denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, “é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados” (EDcl no AgInt no REsp n. 1.941.254/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1º/12/2021; e REsp n. 1.846.502/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/04/2021, DJe de 26/04/2021).